A RECUSA AO ESTUDO DA MÚSICA
A fixação do ser humano urbano contemporâneo no “estudo” do canto (natural e/ou artístico) reflete uma regressão a uma fase anterior à existência de objetos. Iludido pela sensação de não necessitar do estudo sistemático da Música para obter satisfação pessoal e status social, o cantor amador e leigo prescinde da interação com o objeto-instrumento musical e da disciplina necessária para o domínio técnico desse mesmo instrumento – sem se dar conta de que a voz,ou seja, seu próprio corpo, é seu instrumento.
Dispensa o estudo mesmo da técnica vocal e o conhecimento da Música, por temer a violação do Ego no tocante à “liberdade do gosto musical pessoal”, e para alimentar a fantasia comum de que quem canta sem estudo é um ‘superdotado’ acima da sociedade e um modelo a ser idolatrado pelo simples mérito de existir, reduzindo pelo desprezo o mérito dos que se empenham arduamente no próprio desenvolvimento individual.
Trata-se de um narcisismo predatório, que visa subjugar os outros Egos e estabelecer-se como o pináculo de uma nova hierarquia social, em uma flagrante megalomania reativa ao sentimento de inferioridade. O “cantor-leigo” julga-se um objeto sexual desejável instantaneamente e sua busca do prazer resume-se na compulsão a exibir-se como a criança que pede atenção. Para manter sua imagem cria uma ‘persona’ (“máscara”) que deverá isolar-se da interação social para que não haja comparação – o que o reduziria a um indivíduo qualquer, não-diferenciado. É essa sociopatia o sintoma mais claro de sua enfermidade psíquica – da perturbação de sua capacidade natural de amar e de sua incapacidade de entrega no ato sexual.
O orgasmo é a transcendência do Ego na entrega ao outro. É o prêmio da Natureza para a vida que celebra o potencial da reprodução.
REICH (1942) dizia que “a saúde psíquica depende da potência orgástica, i.e., do ponto até o qual o indivíduo pode entregar-se, e pode experimentar o clímax de excitação no ato sexual natural”.
O medo da comparação é um sintoma patognomônico da castração social. Ainda citando REICH (1942):
A estrutura do caráter do homem moderno, que reflete uma estrutura patriarcal e autoritária de seis mil anos, é tipificada por um encouraçamento do caráter contra sua própria natureza interior e contra a miséria social que o rodeia. Essa couraça do caráter é a base do isolamento, da indigência, do desejo de autoridade, do medo à responsabilidade, do anseio místico, da miséria sexual e da revolta neuroticamente impotente, assim como de uma condescendência patológica. O homem alienou-se a si mesmo da vida, e cresceu hostil a ela. Essa alienação não é de origem biológica, mas sócio-econômica. Não se encontra nos estágios da história humana anteriores ao desenvolvimento do patriarcado.
Assim sendo, por pressão sócio-econômica, o cantor amador ilude-se julgando que celebra sua sexualidade quando – na verdade – está apenas reforçando a castração social ao negar o estudo e o conhecimento da Música, ou seja, o estudo e o conhecimento de si mesmo.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:
REICH, Wilhelm. A FUNÇÃO SOCIAL do ORGASMO – Problemas Econômico-Sexuais da Energia Biológica, tradução de Maria da Gloria Novak, 5ª edição, editora Brasiliense, São Paulo, 1979.